Voltando, encontrei esta carta ao Carioca,  Chico Buarque, e como eu lhe diria a mesma coisa, resolvi publicar. Espero que José Danon me perdoe a ousadia. 
Aliás, acho que ele está vivendo em Paris, ou não?
Saudades do Chico Buarque de Holanda.
Carta para o Chico Buarque 
José Danon 
"Chico,  você foi, é e será sempre meu herói. Pelo que você foi pelo que você é e  pelo que creio que continuará sendo. Por isso mesmo, ao ver você  declarar que vai votar na Dilma “por  falta de opção”, tomei a liberdade de lhe apresentar o que, na opinião  do seu mais devoto e incondicional admirador, pode ser uma opção.  
Eu  também votei no Lula contra o Collor. Tanto pelo que representava o  Lula como pelo que representava o Collor. Eu também acreditava no Lula. E  até aprendi várias coisas com ele, como citar ditos da mãe. Minha mãe  costumava lembrar a piada do bêbado que contava como se tinha machucado  tanto. Cambaleante, ele explicava: “Eu vi dois touros e duas árvores, os  que eram e os que não eram. Corri e subi na árvore que não era aí veio o  touro que era e me pegou.” Acho que nós votamos no Lula que não era aí  veio o Lula que era e nos pegou. 
Chico, meu  mestre, acho que nós, na nossa idade, fizemos  a nossa parte. Se a fizemos bem feita ou mal feita, já é uma outra  história. Quando a fizemos, acreditávamos que era a correta. Mas  desconfio que nossa geração não foi tão bem-sucedida, afinal. Menos em  função dos valores que temos defendido e mais em razão dos resultados  que temos obtido. Creio que hoje nossa principal função será a de  disseminar a mensagem adequada aos jovens que vão gerenciar o mundo a  partir de agora. Eles que façam mais e melhor do que fizemos,  principalmente porque o que deixamos para eles não foi grande coisa.  Deixamos um governo que tem o cinismo de olimpicamente perdoar os “companheiros que erraram” quando a corrupção é  descoberta.
Desculpe,  senhor, acho que não entendi. Como é mesmo? Erraram? Ora, Chico. O erro  é uma falha acidental, involuntária, uma tentativa frustrada ou  malsucedida de acertar. Podemos dizer que errou o Parreira na estratégia  de jogo, que erramos nós ao votarmos no Lula, mas  não que tenham errado os zésdirceus, os marcosvalérios, os genoinos,  dudas, gushikens, waldomiros, delúbios, paloccis, okamottos, adalbertos  das cuecas, lulinhas, beneditasdasilva, burattis, professoresluizinhos,  silvinhos, joãopaulocunhas, berzoinis, hamiltonlacerdas, lorenzettis,  bargas, expeditovelosos, vedoins, freuds e mais uma centena de  exemplares dessa espécie tão abundante,desafortunadamente tão preservada  do risco de extinção por seu  tratador. Esses não erraram. Cometeram crimes. Não são desatentos ou  equivocados. São criminosos. Não merecem carinho e consolo, merecem cadeia. 
Obviamente,  não perguntarei se você se lembra da ditadura militar. Mas perguntarei  se você não tem uma sensação de déjà vu nos rompantes de nosso  presidente, na prepotência dos companheiros, na irritação com a imprensa  quando a notícia não é a favor. Não é exagero, pergunte ao Larry Rother  do New York Times, que, a propósito, não havia publicado nenhuma  mentira. Nem mesmo o Bush, com sua  peculiar e texana soberba, tem ousado ameaçar jornalistas por  publicarem o que quer que seja. Pergunte ao Michael Moore. E olhe que,  no caso do Bush, fazem mais que simples e despretensiosas alusões aos  seus hábitos ou preferências alcoólicas no happy hour do expediente. 
Mas  devo concordar plenamente com o Lula ao menos numa questão em especial:  quando acusa a elite de ameaçá-lo, ele tem razão. Explica o Aurélio  Buarque de Hollanda, seu tio, que elite, do francês élite, significa “o que há de melhor em uma sociedade, minoria prestigiada, constituída pelos indivíduos mais aptos”. Poxa!  Na mosca. Ele sabe que seus inimigos são as pessoas do povo mais  informadas, com capacidade de análise, com condições de avaliar a  eficiência e honestidade de suas ações. E não seria a primeira vez que  essa mesma elite faz esse serviço. Essa elite lutou pela independência  do Brasil, pela República, pelo fim da ditadura, pelas diretas-já, pela  defenestração do Collor e até mesmo para tirar o Lula das grades da  ditadura em 1980, onde passou 31 dias. Mas ela é a inimiga de hoje. E eu  acho que é justamente aí que nós entramos.
Nós,  que neste país tivemos o privilégio de aprender a ler, de comer  diariamente, de ter pais dispostos a se sacrificar para que pudéssemos  ser capazes de pensar com independência, como é próprio das elites - o  que, a propósito, não considero uma ofensa -, não deveríamos deixar como  herança para os mais jovens presentes de grego como Lula, Chávez, Evo  Morales, Fidel - herói do Lula, que fuzila os insatisfeitos que tentam  desesperadamente escapar de sua “democracia”. Nossa herança deveria ser a  experiência que acumulamos como justo castigo por admitirmos  passivamente ser governados pelo Lula, pelo Chávez, pelo Evo e pelo  Fidel, juntamente com a sabedoria de poder fazer dessa experiência um antídoto para esse globalizado veneno. Nossa  melhor herança será o sinal que deixaremos para quem vem depois, um  claro sinal de que permanentemente apoiaremos a ética e a honestidade e  repudiaremos o contrário disto. Da  mesma forma que elegemos o bom, destronamos o ruim, mesmo que o bom e o  ruim sejam representados pela mesma pessoa em tempos distintos. 
Assim  como o maior mal que a inflação causa é o da supressão da referência  dos parâmetros do valor material das coisas, o maior mal que a  impunidade causa é o da perda de referência dos parâmetros de justiça  social. Aceitar  passivamente a livre ação do desonesto é ser cúmplice do bandido,  condenando a vítima a pagar pelo malfeito. Temos opção. A opção é  destronar o ruim. Se  o oposto será bom, veremos depois. Se o oposto tampouco servir, também o  destronaremos. A nossa tolerância zero contra a sacanagem evitará que  as passagens importantes de nossa História, nesse sanatório geral,  terminem por desbotarem na memória de nossas novas  gerações. 
Aí, sim, Chico, acho que cada paralelepípedo da velha cidade, no dia 3 de outubro, vai se arrepiar. 
Seu admirador número 1, 
Zé Danon